22 de outubro de 2009

Jenseits von Eden

Com o cair das folhas, as primeiras chuvas e a chegada do frio cortante chegaram também vindos de Düsseldorf onde tinham ido passar o verão o meu tio Joseph, a minha tia e o meu primo Carlos. Com eles vinham atrelados duas aves raras de seus nomes Steffen, alto, loiro e tipicamente alemão dos pés à cabeça, e Birgit, gorda, atarracada e com um aparelho medonho por toda a boca e os pais destas duas almas Jürgen e Monika. A família do meu tio vinha de visita.

A Cremilde, a Isilda e a minha avó entraram em histeria colectiva. Logo agora com a colheita do feijão atrasada e o semear das favas já em andamento, sem falar que ainda não se tinha desfolhado o milho e que tudo o mais naquela quinta andava um pouco fora da graça de Deus. Mas as coisas lá se arrajararam. Quartos partilhados, que "os piquenos podem muito bem ficar num quarto só, faz-se tipo camarata e está resolvido." e a porca da alemã a ter de dormir no quarto da Cremilde e esta com a Isilda. Tudo lá se acomodou graças ao esforço hercúleo da Isilda que qual Führer impôs a sua vontade na organização daquele casarão cheio de gente, que mais parecia a Babilónia. Ás refeições falava-se português, francês, inglês, alemão, espanholês, e mais uma série de dialectos que misturavam todas as línguas a ver se alguém se fazia entender.

Na segunda noite o meu primo Carlos resolveu que já não queria dormir na "camarata", que o Steffen ressonava, e ele tinha o sono leve e não dormia nada e por favor que o deixassem dormir no sofá da biblioteca que sempre tinha algo com que se entreter com tantos livros à disposição. Assim foi, a Isilda montou um divã desdobrável e a partir dai o menino dormiu na companhia dos livros. Livros esses que sua excelência nunca tinha sequer tirado das estantes quanto mais folhe-a-los ou sequer aventurar-se a lê-los. Mas numa noite em que desci à cozinha descobri que o que o entretinha não eram os livros mas sim a porca. Fiquei horrorizado, como é que o meu primo, que tinha herdado uma mistura de genes tão bem programada que lhe tinha dado aquele ar de rapaz do campo, pele trigada, cabelo quase loiro e olhos azuis, se podia embeiçar por aquela coisa? Ainda pra mais que "primo com primo, nascem filhos carecas"! Mas gostos não não se discutem e se ele gostava, que era eu para dizer que não.

Fiquei então no quarto só eu e o Steffen. Um horror. Para alem de não abrir a boca, passava o tempo todo de volta do walkman a ouvir sempre a mesma cassete e a gemer em alemão. A única coisa que se aproveitava mesmo era a hora de dormir, a hora de vestir o pijama, e de pelo canto do olho apreciar aquele belo físico ariano. O certo é que ele não era parvo e percebeu que eu o espreitava, tal como eu percebi que isso não o incomodava minimamente, pelo contrario. Com o passar dos dias parecia que o acto de despir e vestir se estava a tornar um ritual com tempos de exposição e olhares cruzados bem definidos. Pouco a pouco a curiosidade levou a melhor, e sem uma única palavra, frente a frente como que se vê num espelho examina-mo-nos a nosso bel prazer. Vendo, espreitando, observando, mexendo, apalpando, acariciando e tocando à vez no corpo estranho e no entanto já tão familiar a nossa frente.

E como uma coisa leva a outra, o inevitável aconteceu. Depois de uma noite de desfolhada por entre viras e cantigas, muita alegria e milho rei. Depois da ceia e do recolher das gentes, ficou a eira reduzida a meia dúzia de gatos maltêzes. Eu, o Steffen, o António e mais três marialvas amigos deste. Por entre sussurros e combinações lá se foram os quatro mais um garrafão de vinho para o barracão da lenha segundo eles "jogar a lerpa" embora nenhum tivesse um baralho de cartas. Sei que tive pena de não ir com eles mas nessa noite a curiosidade espicaçava-me a ir derrubar o muro de Berlim.

Já no quarto, e de pijama vestido, enquanto ele tinha ido a casa de banho dispus-me a ouvir o que raio de música era aquela que ele tanto gostava. Chamava-se "Ton Steine Scherben" e apesar de não ser mau de todo não foi de encontro aos meus gostos musicais da altura. Apesar disso deitei-me na cama absorto naquele som e quando dei por isso ele estava junto a mim de calças do pijama pelos tornozelos "Sie mögen es? Sie möchten es saugen? Gekommen alles Ihr, wenn Sie es wünschen" sem perceber uma palavra percebi perfeitamente a intenção e foi esse o pretexto para o inicio das festividades daquilo a se viria chamar "Trommeln in der Nacht " numa homenagem ao dramaturgo por nós idolatrado. Foi com Steffen que li o Baal e foi ele que me explicou coisas em Brecht que eu sozinho nunca teria conseguido perceber. Foi a minha primeira púbis loira e o meu primeiro circuncisado.

A principio a não existência de prepurcio excitou-me de tal maneira que, pegando-lhe com ambas as mãos o revirava para que de todos os ângulos pudesse ver, pudesse sentir melhor aquela glande "descamizada". No final tirando a excitação da novidade, revelou-se um amante medíocre e frio. Tão frio como o vento dos meados de Outubro.

Despedi-mo-nos num beijo molhado numa cinzenta manhã de domingo, eu voltava para casa dos meus pais e ele dai a poucos dias a Düsseldorf. Ofereceu-me a cassete dos "Ton Steine Scherben" e lá fomos cada um na sua direcção, eu para o autocarro, para as castanhas e para o Chicha e ele para a casa da minha avó.

Nunca mais nos vimos. Infelizmente. Para ele que o Chicha também não gostou da musica. Mas assou castanhas e depois de dois copos de jeropiga bem enroladinhos junto a salamandra contei-lhe do "descamisado" e da raça ariana.

Até hoje estou para saber o que aconteceu a tal cassete.

3 comentários:

João Roque disse...

Já tinha saudades destas deliciosas histórias...
Não demores tanto com a próxima, valeu?
Abraço.

C A disse...

Eu também já tinha, n emigres novamente agora.. lol


@ MaisonChaplin.blogspot.com

continuando assim... disse...

convite para seguir a história de Alice , lá no --- continuando assim --- ainda vai no princípio :) espero que gostes

bj
teresa