24 de fevereiro de 2009

Ê, meu amigo Charlie...

No Carnaval a malta fazia sempre um baile na Casa-do-Povo. Uns balões, umas serpentinas, a aparelhagem do Black e muita musica brasileira tipo "Ê meu amigo Chárlieeee, ó ó ó ó ..."

O Black era um tipo um pouco mais velho que nós e que tinha o secreto desejo de ir para os comandos, já naquele tempo o gajo parecia um armário, bom a bem dizer ele ainda estava dentro do armário, tinha uns braços e umas pernas que pareciam preservativos cheios de nozes.

A malta mascarava-se sempre de "poleiros", o "poleiro" é uma mascara em que se vestem roupas velhas, geralmente das avós e se cobre a cara com uma mascara barata de plástico e um lenço também rapinado à avó, um cajado ou um pau servem para completar a indumentária e dar cacetada nos não mascarados, quem não queria levar tinha de dar uma moeda. É claro que essas moedas eram sempre juntas no final da noite e esturradas em cerveja no bar da Casa-do-Povo.

Voltando ao Black, estávamos em 1988 e nessa altura o Chicha andava obcecado com o Black. É que algum tempo antes, depois de uma partida de futebol com uma das aldeias vizinhas lá no campo deles, da tal aldeia, existia um balneário. Coisa rara por aquelas bandas, e foi ai que o Chicha viu pela primeira vez, e tal como ele próprio dizia, "...toda a chicha do Black. Pá aquilo quase que chega aos joelhos!".

O Black era e ainda hoje é amigo do meu padrinho Carlos, o Carlos não é meu padrinho de baptismo mas não sei bem porquê comecei a chamar-lhe padrinho e ele afilhado, coisa que se mantém até hoje, como estava a dizer o meu padrinho e o Black eram e ainda são muito amigos, e quando digo muito, quero dizer bastante, e quando digo bastante, quero dizer que ainda hoje se amam com a mesma intensidade de 1988.

O Black foi o primeiro gajo que conheci que se depilava todo, em 1988 o Black pegava na Gillette e tirava todos os pelinhos do corpo, só tinha mesmo as pestanas e as sobrancelhas. Coisa é claro que me deixou cheio de curiosidade, quem mo contou foi o meu padrinho, a quem eu uma vez acedi a "raspar" os pelinhos mais inacessíveis da sua anatomia, á conta de uma história a bordo de um certo cargueiro que lhe tinha contado tempos antes e de que já falei também aqui no blog. Foi nesse dia que soube da grande amizade dos dois. E como uma coisa leva a outra, contei ao Chicha, o Chicha contou-me a mim e como estava-mos a poucos dias do Carnaval, pusemos um plano em acção.

Mascarados de poleiros andamos toda a tarde a cravar moedas e juntamos uma boa maquia, na hora do baile lá fomos, ainda mascarados meter-nos com o Black, cacetada daqui, paulitada dali, até o bicho começara a ficar chateado, "Se sei quem vocês são vão ver. Arranco-vos a cabeça à dentada. Putos do c#r@lh&!".

É claro que ao fim de mais de duas horas nisto ele vem mesmo atrás de nós, fugimos como o diabo da cruz sempre com ele no encalço. Quando finalmente ele nos apanhou, ou melhor quando nos deixamos apanhar, ele tira-nos as mascaras e vai "Vocês?! Filhos da p#t@! Agora pra castigo têm de me pagar uma mini" e vai o Chicha " Ó Black, a gente até te paga uma grade." E lá fomos para o bar, mandamos vir uma grade e enquanto conversava-mos eu e Chicha bebemos uma e ele o resto quase sem dar por isso, o certo é que já com o grão na asa o gajo queria ir embora, que tinha prometido ir ter com o meu padrinho e mais não sei o quê. Mas ao levantar-se, tropeça e cai redondo e vai a gente, bons samaritanos, toca de ajudar o Black. "Deixa que a gente leva-te a casa". E levamos. Quer dizer, levamos para casa do Chicha.

Deitámo-lo na cama do Chicha, tiramos-lhe as botas e a camisa, não fosse ele vomitar e vai o gajo, agarra-nos e puxa-nos aos dois. "Com que então, os meninos pensavam que me embebedavam?". "Não pá, a gente só tava na brincadeira" digo eu. "Na brincadeira? É? Não faz mal, que o Black tem aqui uma coisinha pra vocês brincarem...".

E foi assim que se passou mais um Carnaval, acabamos foi por não ir ao baile. Infelizmente. Para o meu padrinho que passou a noite à procura do Black com a serpentina na mão.